terça-feira, 6 de março de 2018

O atraso dos pagamentos pela Administração e a manutenção da execução do contrato por até 90 dias. O que fazer? [parte 3]


A ideia dessa série de textos surgiu da constatação de que muitos empreendedores que contratam com a Administração Pública sofrem com o constante atraso de pagamentos e isso tem se agravado nesse período de crise econômica. Pior ainda é a difundida ideia de que os contratados nada podem fazer antes dos 90 dias de atraso do ente público, com fulcro na interpretação errônea do inciso XV do art. 78 da Lei nº 8.666/93.

No primeiro texto, recomendamos uma atuação mais cautelosa, fazendo uma análise de risco quanto à contratação com a entidade pública e considerando-se a possibilidade de atrasos de até 90 dias, mesmo não concordando com a interpretação de que não seria possível suspender os serviços ou fornecimento antes disso a fim de evitar maiores prejuízos. Portanto, sugerimos ao empreendedor que adote como análise de risco o pior cenário possível.

Para tanto, recomendou-se que não se assumam contratos públicos que comprometam grande parte da operação da empresa, de forma a viabilizar um fluxo financeiro sustentável por meio de outros contratos em caso de inadimplemento da Administração Pública.

Ademais, em especial em contratos em que haja cessão de mão de obra, a empresa deve se precaver mantendo um caixa para cobrir as despesas com pessoal pelo período de aproximadamente 90 dias, tempo que a lei exige para a rescisão contratual.

Já no segundo texto encaramos a realidade daqueles que já celebraram o contrato e estão passando pela inadimplência do ente público. Na ocasião defendemos que se tem feito uma interpretação equivocada no inciso XV do art. 78 da Lei nº 8.666/93. Isso porque ele não impõe ao contratado que mantenha a execução do serviço ou fornecimento em caso do não pagamento, muito menos pelo longo período de 90 dias. Logo, defendeu-se a tese de que o empreendedor poderá suspender o serviço ou fornecimento assim que verificado o atraso da Administração. Para tanto, recomenda-se a notificação formal do ente no sentido de que a falta da regularização em "X" dias acarretará na suspensão do contrato.

Ocorre que tal medida ainda não tem pacífica adoção. Em vista disso, pode ser necessária a utilização de medida cautelar em âmbito judicial. Além da utilização da tese anteriormente defendida, na ação deverá ser reivindicado o pagamento das parcelas em atraso. Todavia, mero pedido nesse sentido pode ser um tiro pela culatra, já que a Administração poderá se utilizar do pagamento via precatório o que, como regra, não é bom negócio.

Sendo assim, já é tese bastante difundida na doutrina o pedido fundado em obrigação de fazer, mais especificamente, exigindo-se da Administração Pública que os pagamentos respeitem a ordem cronológica prevista no art. 5º da Lei nº 8.666/93:

Art. 5º Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei, devendo cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada. 
Portanto, não se tratando de ação de execução contra Fazenda, não recairá no perigo de ter saldada a dívida por meio de precatórios. Em verdade, a Administração contratante será instada a proceder pagamentos obedecendo a ordem cronológica, sob pena de responsabilidade administrativa e penal do gestor público. Isso inibe que a Administração beneficie certos credores que podem possuir algum "apadrinhamento". Logo, em momento breve a Administração deverá proceder ao pagamento das parcelas em atraso sob pena de inviabilizar a própria atividade pública, pois não poderá fazer qualquer pagamento nos demais contratos que tenham sido inscritos em orçamento em data posterior.

Caso os atrasos superem os 90 dias, aí, conforme prescrito na lei, poderá ser reivindicada a rescisão contratual. Da mesma forma, aqui, sugere-se o pedido dos pagamentos respeitando a ordem cronológica para evitar os precatórios.

Interessante também mencionar solução prevista na Lei Complementar nº 123/06 para microempresas e empresas de pequeno porte em caso de atraso de pagamentos. A lei, em seu art. 46, prevê a possibilidade de emissão de cédula de crédito microempresarial quando o atraso superar 30 dias, contados da data de liquidação.

Originalmente, tal artigo fazia-se acompanhar de parágrafo único em que equiparava o referido instituto à cédula de crédito comercial, tendo como lastro o empenho do poder público, e que sua utilização dependeria de regulamentação do Poder Executivo em até 180 dias. A regulamentação nunca ocorreu e o parágrafo único foi revogado pela LC nº 147/2014.

Diante disso, forçoso reconhecer que a disposição legal passa a ser aplicável. No entanto, ainda não há nem na doutrina ou no judiciário enfrentamento da questão. Cabe, a nosso ver, que os microempresários busquem, quando conveniente, a utilização da cédula a ser emitida pelo Administração inadimplente por 30 dias. Antes, também, verificar quais instituições financeiras poderiam negociar tal título de crédito executivo. Uma das possíveis formas de utilização seria por meio do endosso do título a uma instituição financeira que pagaria o valor nominal do título ao empresário com algum desconto pela prestação do serviço de crédito. Posteriormente a instituição financeira poderia negociar novamente o título o fazer a cobrança da Administração emissora.

No entanto, a análise desse instituto disponibilizado pelo Estatuto da Pequena Empresa necessita um maior aprofundamento e merece um texto próprio para tal fim. Logo, deixamos a discussão para amadurecimento e nova abordagem em breve. 

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